Friday, August 14, 2015

A saga do Joaozinho

"Nasci em alto mar, entre os perigos das águas geladas, ainda não tinha feito um ano. Os meus pais eram ambos antigos marinheiros e pescadores de bacalhau no mar do norte, habituados aos rigores e tumultos de uma vida de trabalho, provações e escárnio. A minha mãe, por outro lado, era uma pobre e enferma mulher que me abandonou logo que lhe saí das entranhas.

Chamaram-me João, em honra do padroeiro da nossa Grande Cidade, mas fiquei sempre conhecido como Joãozinho, devido à minha parca estatura, fruto de uma alimentação desnutrida. A culpa não foi dos meus dois pais, que me criaram o melhor que a sua pobreza lhes permitia. Pelo contrário, sempre me ensinaram a ter uma alimentação saudável e eles próprios acabaram, na sua velhice, por se tornar vegetarianos.

Já a minha pessoa, por outro lado, nunca se sentiu atraída pelos legumes e pelos tomates. Não que tenha nada contra o vegetarianismo. Se não devemos julgar um homem por aquilo que ele mete no cú, porque o haveríamos de criticar por aquilo que mete na boca? Se não estou em erro, já o próprio Cristo dizia algo do género.

Na minha infância, passei muitos dias e noites a viajar entre as ondas turbulentas e agrestes do mar do norte. Os pescadores e a experiência ensinaram-me muitas lições valiosas como, por exemplo, nunca mijar contra o vento enquanto se boceja.

Mas não tive nada que se assemelhasse a uma esmerada educação formal até fazer 11 anos. Nessa altura ainda era mais marinheiro que gente e não estava habituado a lidar com pessoas civilizadas. Lembro-me, ainda hoje, de várias altercações embaraçosas que fui tendo com as minhas professoras, ao longo de muitos anos de escola. O meus colegas divertiam-se a gozar comigo e a humilhar-me, contando essas histórias a todos os que parassem para ouvir.  Mais tarde percebi que tudo isto faz parte da vida, mesmo para as crianças epitetadas de normais. Um amigo meu, o Pêras, era achincalhado simplesmente por se chamar Pereira. A verdade é que as crianças são estúpidas e não devemos perder muito tempo a pensar sobre o que lhes sai da boca.

Felizmente, a minha vida melhorou. Fui para a faculdade, tornei-me engenheiro electrotécnico, casei-me e tive um filho.

Eu sou a prova viva de que ser criado por dois marinheiros, gays e vegetarianos não nos transforma em adultos disfuncionais. Ou em gays, Ou em marinheiros ou vegetarianos. Alias só sou a pessoa que sou em virtude daquilo que os meus velhotes fizeram por mim. Se não fosse por eles provavelmente não estaria vivo. Se não fosse pelo que me ensinaram, não seria um homem, que apesar de pequenito, é rijo e de pele grossa e que sabe dar uns socos quando necessário.

Portanto, marinheiros, vegetariano e gays ... Sim, eu sei. Os meus pais não poderiam ser mais maricas se tentassem."

Este post é dedicado a  +Ieyasu Antoninus

6 comments:

  1. Bem...depois de uma dedicatória tão cativante quero ver o que o Ieyasu Antoninus tem a dizer sobre o assunto

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    1. Discordo. O seu argumento parece-me um pouco vácuo.

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    2. Discordo do discordo. Apesar da ambiguidade, é um comentário válido em qualquer blog.

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  3. Eu só digo isto: Que belo prefácio para um futuro livro - assumindo que terei paciência para o escrever.
    Não percebi foi a tua fixação contra os engenheiros, e ainda para mais, contra os electrotécnicos ... Quem te ouvir ainda pensa que a malta da FCUP são o supra-sumo (se for da batata na tola, ai já concedo). É que ainda para mais, ser doutor já é tão vulgar hoje em dia ... E nem sabem que provêm do latim, provavelmente da palavra docere, pobres coitados ...
    Quando quiseres saber o que é um condensador, resistência, et cetera - avisa para te cobrar o que é devido.
    Dito isto (e já que isto não deixa fazer comentários em condições), outra lição do joãozinho (similar à primeira): levar sempre gabardina para os espaços abertos. É que mesmo num jogo de futebol, com 22 marretas atrás de uma bola, mais árbitros, mais milhares de pessoas, há sempre 1 presente (que nem 1 míssil teleguiado), destinado a ti e só a ti. Nessa altura, darás 2 graças, a primeira é a que levaste gabardina, a segunda ... é que são pombas/gaivotas, não são vacas ! ... Se fossem vacas, os estilhaços eram tais que até as bolas ficavam castanhas ...

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  4. Miguel eu sei onde tu vives e que tu fazes à noite.... ha-ha....lol

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